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O papel das mulheres na História do Cinema - Parte I

Updated: Mar 4, 2022

Para iniciar nosso especial sobre mulheres no Cinema, fizemos um breve histórico do papel que elas têm desempenhado desde a criação da Sétima Arte. No 3º episódio do podcast, conversamos sobre as enormes disparidades entre os gêneros e citamos algumas das primeiras conquistas femininas, principalmente em Hollywood.


“A indústria é machista, racista, homofóbica. Sofre das mesmas doenças que o resto da sociedade”. Essa fala é de Luis Amaral, professor de engenharia química da Universidade Northwestern nos EUA e um dos autores do artigo: “Long-term patterns of gender imbalance in an industry without ability or level of interest differences” (em livre tradução: “Padrões de longa duração de desigualdade de gênero sem diferenças de habilidade ou nível de interesse”), publicado em 01/04/2020 no periódico científico PLOS ONE.


Lois Weber, Margaret Booth e Alice Guy-Blaché - pioneiras do Cinema

O estudo foi conduzido por profissionais do American Film Institute Archive e do Internet Movie Database, o IMDb, e analisou mais de 26 filmes de todos os gêneros, incluindo documentários, para contabilizar o número de mulheres envolvidas na produção desses filmes, seja como atrizes, diretoras, produtoras ou roteiristas. O resultado, infelizmente, não foi nada positivo: a presença de mulheres no ramo cinematográfico sempre foi baixa.


Antes da década de 1910, o Cinema era feito de forma mais independente, portanto havia mais participação das mulheres na realização de um filme, seja atuando, dirigindo ou escrevendo roteiros. Segundo o estudo, em meados da década de 1920, o número de papéis femininos era em torno de 40% nos filmes.


Segundo Alicia Malone, em seu livro “Backwards & in heels: The Past, Present and Future of Women Working in Film”, lançado em 2017, no período de 1900 a 1920 havia mais mulheres trabalhando no topo em Hollywood do que hoje em dia. Durante esse período, metade dos filmes feitos nos Estados Unidos foram escritos por mulheres. Muitas atrizes tinham suas próprias produtoras e a primeira pessoa chamada de "editor de filme" (ou montador) foi uma mulher. Na verdade, nos primórdios do Cinema, tivemos várias figuras femininas como pioneiras em várias frentes, sendo responsáveis pelo desenvolvimento do Cinema como arte e também como indústria.


Alice Guy-Blaché

Alice Guy-Blaché foi a primeira mulher diretora e roteirista de Cinema, tendo lançado seu primeiro filme, “A Fada do Repolho” (La Fée Aux Choux), em 1896, que dizem ser o primeiro filme com narrativa. Chamada de “Mãe do Cinema”, é pioneira no uso de close up, som sincronizado e coloração manual dos filmes. Fez mais de 1000 filmes (mas apenas 130 foram encontrados até hoje) e tinha estúdio próprio - a primeira mulher a conseguir tal feito -, o Solax Company (1910-1913). Mudou de Paris para os EUA quando se casou, em 1907. Foi homenageada postumamente com um prêmio do Director's Guild of America (Sindicato de Diretores dos EUA) em 2011, com direito a discurso de Martin Scorsese.


Lois Weber

Lois Weber, norte-americana, foi a primeira mulher a dirigir um longa-metragem: “O Mercador de Veneza” (The Merchant of Venice) em 1914 e também foi uma das primeiras produtoras, ao lado de Alice Guy-Blaché, a ter seu próprio estúdio: Lois Weber Productions. Era comparada e colocada no mesmo patamar que diretores como D. W. Griffith e Cecil B. DeMille e destacava-se pelo teor de seus roteiros (dirigiu 115 filmes, escreveu 114 e atuou em 100). “Hypocrites” de 1915 é o primeiro filme com nudez frontal feminina.



Margaret Booth foi a primeira pessoa a receber o crédito de "Montadora". Após a MGM - onde ela trabalhava - iniciar essa prática de referir-se ao editor do filme como Montador, o termo ganhou popularidade na indústria como um todo. O termo também foi adotado pela Academia, que introduziu o Oscar de Melhor Montagem em 1935. Margaret Booth foi indicada em 1936 por “Motim a Bordo”, também conhecido como "O Grande Motim" (Mutiny on the Bounty). Recebeu um Oscar Honorário em 1978 por sua contribuição ao Cinema.


Esses foram apenas alguns exemplos de mulheres importantes no Cinema, logo nos anos seguintes à sua invenção. Quando da criação das primeiras salas de cinema, os donos miravam na audiência feminina. Eles acreditavam que se conseguissem chamar mulheres de classe média para suas salas, elas levariam seus maridos e o cinema se tornaria um lugar familiar e chique, onde se cobraria mais caro. Os primeiros estúdios estavam interessados em atender esse público feminino de classe média, então diretoras e roteiristas mulheres foram contratadas para certificar que o conteúdo agradaria. Acreditava-se que essas mulheres emprestavam um tom moral aos filmes que a classe média apreciava.


O Cantor de Jazz (The Jazz Singer, 1927), dirigido por Alan Crosland, roteiro de Alfred A. Cohn

Mas o advento do filme falado, o talkie, acabou por expulsar muitas dessas "mulheres no topo" de Hollywood. Primeiramente, muitos cineastas, roteiristas e atores tiveram dificuldades em fazer a transição para esse novo estilo de Cinema. Além disso, o imenso sucesso de alguns poucos talkies, como “O Cantor de Jazz” (The Jazz Singer, 1927), fez com que alguns seletos estúdios ganhassem muito e produtoras independentes - que eram comumente geridas por mulheres - não conseguiam competir, muitas vezes como resultado de falta de orçamento.


A Grande Depressão causou a falência de muitos desses estúdios menores e o lucro financeiro se tornou o maior objetivo ao se produzir novos filmes. O Cinema começou a ser visto como um negócio ao invés de um empreendimento criativo, e estruturas corporativas foram implementadas. Naquela época (mas não só nela, infelizmente), mulheres não eram vistas como aptas a tomar decisões de negócios nem a ocupar cargos executivos; então os cargos de poder num set de filmagens, como diretor, agora eram oferecidos exclusivamente aos homens.


Durante a Era de Ouro de Hollywood (1927 e 1945), houve pouquíssima participação feminina na indústria cinematográfica. Uma das causas pode ser o gênero da maioria dos filmes realizados nessa época: ação, faroeste e crimes, temas erroneamente associados aos homens e sua virilidade, ou seja, machismo puro mesmo. Com a ascensão de Hollywood e dos estúdios cinematográficos (Warner Bros. Paramount, MGM, FOX e RKO Pictures), além das temáticas mencionadas acima, o número de papéis para atrizes caiu pela metade, enquanto menos de 1% de diretores e roteiristas eram do sexo feminino. Os papéis que restavam às mulheres eram os de donas de casa, moças subservientes ou femme-fatales (mulheres sedutoras e irresistíveis e, quase sempre, “mau negócio” para quem se envolvesse com elas). Os donos dos estúdios eram homens brancos, que tendiam a contratar - obviamente - homens brancos: um verdadeiro “Clube do Bolinha”.


Entrada dos estúdios da Paramount em Hollywood, na década de 1930

E as mulheres vêm tentando recuperar esse espaço na indústria há quase cem anos. Entre 1912 e 1919, a Universal empregava 11 diretoras, que fizeram um total de 170 filmes nesses sete anos. Mas de meados da década de 1920 até 1982, o estúdio não contratou mais nenhuma cineasta. Em 1920 eram 1% de mulheres na direção de um filme. Em 2010, esse número cresceu para apenas 12%. Ainda é muito pouco. Ou melhor, quase nada.


Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence em Não Olhe Para Cima (Don't Look Up, 2021),
direção e roteiro por Adam McKay

Outra questão também importante de ser apontada e discutida, é a remuneração de mulheres em cargos similares aos de homens nos filmes, que geralmente costuma ser menor. Os salários de atores masculinos continuam sendo maiores que os de atrizes. Jennifer Lawrence recebeu 25 milhões para fazer “Não Olhe para Cima” (Don't Look Up, 2021) e Leonardo DiCaprio recebeu 30 milhões. Em entrevista à Vanity Fair, Jennifer disse: “Olha, Leo traz mais bilheteria do que eu. Estou extremamente feliz e feliz com o meu acordo. Mas em outras situações, o que eu vi — e tenho certeza que outras mulheres na força de trabalho também viram — é que é extremamente desconfortável perguntar sobre a igualdade de remuneração. E se você questiona algo que parece desigual, dizem que não é disparidade de gênero, mas eles não podem dizer o que é exatamente”.


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