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  • Writer's pictureA Tela Que Habito

Mês do Orgulho LGBTQIAPN+ - Representação LGBTQ no Cinema - Parte I

Hollywood, Estereótipos & Código Hays


O mês de junho é o Mês do Orgulho LGBTQIAPN+, em celebração à Revolta de Stonewall, ocorrida em 28 de junho de 1969. Stonewall Inn é um bar gay no bairro de Greenwich Village em NY, que foi invadido pela polícia nesta data. A invasão desencadeou uma série de manifestações - muitas vezes violentas - a favor dos direitos dos homossexuais (lembrando que a sigla LGBT surgiu apenas na década de 1990).


Então, resolvemos que, nesse mês de junho, todos os episódios do A Tela Que Habito serão sobre o Orgulho LGBTQIAPN+: Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/Questionando, Intersexo, Assexuais/Arromânticas/Agênero, Pan/Poli, Não-binárias e mais.



Começando pelo começo, vamos revisitar um pouco da história do LGBTQIAPN+ no Cinema, falando dos primeiros filmes com temática homossexual, primeiros atores e/ou diretores a se assumirem publicamente gays e por ai vai.


Já em 1894, antes mesmo do Cinema ser inventado pelos Irmãos Lumière, William K. L. Dickson fazia experimentos de imagem e som, com temática homossexual, no kinetophone de Thomas Edison: The Gay Brothers. O título oficial do filme é The Dickson Experimental Sound Film e só foi chamado de The Gay Brothers em 1981, no livro "The Celluloid Closet", de Vito Russo. Neste curta de apenas 17 segundos, o próprio Dickson aparece tocando um violino enquanto dois homens dançam juntos ao fundo. Só lembrando que, nessa época, a palavra “gay” não era usada como sinônimo de homossexual, e sim de "alegre". Além disso, dois homens dançando juntos não significa necessariamente que existe algum envolvimento homoafetivo entre eles. Mas, ainda assim, muitos consideram esse curta como um dos primeiros a introduzir a temática LGBT no Cinema.


"Não há evidências que Dickson pretendeu apresentar os homens - presumidos empregados do estúdio Edison - como um casal romântico. Considerando a letra da música que Dickson toca, que descreve a vida no mar sem mulheres, é mais plausível que ele pretendia fazer piada sobre o ambiente totalmente masculino do estúdio. Além disso, em alguns lugares, era aceitável no século XIX que homens dançassem com outros homens sem conotação homossexual; o exército estadunidense, por exemplo, tinha aulas de dança para os soldados. Ainda assim, esse filme pode ser visto como um dos exemplos mais antigos de imagens do mesmo sexo no Cinema"

https://en.wikipedia.org/wiki/The_Dickson_Experimental_Sound_Film



Diferente dos Outros (Anders als die Andern), um filme alemão de 1919, escrito e dirigido por Richard Oswald, é considerado o primeiro longa a retratar um relacionamento homossexual entre dois homens. O roteiro foi co-escrito pelo médico e sexologista Magnus Hirschfeld, um dos primeiros ativistas dos direitos dos homossexuais, tendo fundado em 1897 a primeira organização em defesa LGBT, o Comitê Científico-Humanitário.


O filme, ainda mudo e em preto & branco, conta a história de um violinista e seu aluno, que se apaixonam. O casal é flagrado de mãos dadas e o violinista passa a ser chantageado, correndo o risco de revelarem sua sexualidade. É um drama pesado, que aborda temas como a homossexualidade ser ou não uma doença, discriminação social e jurídica, vergonha e suicídio. Ao mesmo tempo que sua temática pode ser considerada didática, numa tentativa de mitigar o preconceito contra os homossexuais, é também uma crítica ao Parágrafo 175 do Código Penal Alemão, que esteve em vigor de 15 de maio de 1871 a 11 de junho de 1994, e que dizia que “a fornicação não natural, seja entre pessoas do sexo masculino ou de humanos com bestas, é punida com prisão, com a punição adicional de perda imediata dos direitos civis”.



Importante observar ainda que o filme carrega um dos estereótipos que os personagens homossexuais apresentam tanto no Cinema quanto na TV, até os dias de hoje: a pessoa depressiva, em decadência, consumida pela vergonha, à beira de um final trágico. Outro estereótipo de homossexuais muito comum, principalmente nessas primeiras décadas do Cinema, é o homossexual como alívio cômico.


Em 1924, outro filme também trata do relacionamento de um professor e seu aluno: Michael, dirigido por Carl Theodor Dreyer e escrito por Carl Theodor Dreyer e Thea von Harbou, uma adaptação do romance homônimo de Herman Bang. Diferentemente de Diferente dos Outros, Michael traz a ideia de bissexualidade, a partir do triângulo amoroso entre um pintor, seu aluno e uma princesa.


O primeiro beijo entre dois homens aconteceu em 1927, no filme estadunidense Asas (Wings), dirigido por William A. Wellman. Asas também foi o primeiro vencedor do Oscar de Melhor Filme. Entretanto, em Asas o beijo não tinha carga romântica nem nada do tipo: foi apenas um selinho entre dois amigos, pilotos na primeira Guerra Mundial. O primeiro beijo com conotação amorosa só vai acontecer em 1971, no filme Domingo Maldito (Sunday Bloody Sunday).



Já o primeiro beijo entre duas mulheres, também um selinho, aconteceu em 1931, no filme alemão Senhoritas em Uniforme (Mädchen in Uniform), dirigido por Leontine Sagan. O beijo de boa noite entre uma professora e sua aluna foi censurado tanto na Alemanha quanto nos EUA.



Voltando um pouquinho, em 1930, no filme Marrocos, Marlene Dietrich, que interpreta uma cantora, aparece em um smoking elegante, mas sem perder o ar de mulher fatal, que beija suavemente uma das mulheres na platéia.


É importante fazer uma pausa aqui e falar também um pouquinho de como eram as coisas na indústria cinematográfica por trás das câmeras. Na Era de Ouro de Hollywood vários atores e atrizes eram homossexuais, mas nunca puderam expor sua orientação sexual ao mundo. Era comum, inclusive, casamentos arranjados pelas produtoras ou agentes, para tentar abafar os rumores sobre a sexualidade de algum ídolo.


O primeiro ator a se assumir homossexual foi William Haines, em 1933. Haines foi um grande astro entre as décadas de 1920 e 1930, sendo considerado um dos 10 atores mais queridos pelo público na época e campeão de bilheterias entre os anos de 1928 e 1932. Ele se recusou a aceitar um desses casamentos de fachada, orquestrado por Louis B. Mayer, diretor da MGM e um dos criadores do Oscar. Após ser flagrado pela polícia com seu namorado de anos, Jimmie Shields, e ser preso por imoralidade, Haines resolveu “sair do armário” e se juntar a Shields, tornando-se a primeira família homossexual assumida de Hollywood. Foi o que Mayer precisava para dar um ultimato ao ator: ou a carreira ou sua família. Haines escolheu sua família, largou o Cinema e passou a ter uma empresa de design de interiores muito bem sucedida, que está em operação até os dias de hoje, a William Haines Designs.



Voltando às telonas, ainda nas primeiras décadas do Cinema, temos também os filmes de Dorothy Arzner, que abordavam muito a temática LGBT, até que o Código Hays entrou em vigor nos EUA em 1930 e os filmes passaram a ser censurados.


Falando em Código Hays… Como já dissemos em episódios anteriores, o Código Hays (documento que listava o que o bom costume e a família - os cidadãos de bem - não deveria assistir nas telas: beijos de língua, cenas de sexo, sedução, estupro, aborto, prostituição, escravidão - de brancos - obviamente, de negros e indígenas estava liberado -, nudez, aborto, obscenidade e profanação), que entrou em vigor em 1930 e perdurou até 1968, censurou vários filmes e acabou tolhendo a liberdade artística e experimental que o Cinema apresentava até então. Obviamente, os temas LGBT, que já não eram tão representados nos filmes, passaram a ser praticamente banidos.


Os personagens homossexuais ainda existiam, mas de forma marginalizada e sua orientação sexual nunca podia ser claramente abordada e sim levemente insinuada. Por exemplo, em Festim Diabólico de 1948, Hitchcock, apresenta dois assassinos, que somos levados a acreditar que são um casal, desafiam o personagem de James Stewart em um jogo psicológico e doentio.



Mas também a ideia da condenação a um final trágico, como já apresentada em Diferente dos Outros, também não é das melhores representações. O destino de todo homossexual é sofrer e morrer sozinho, sem amor, sem acolhimento?


Nessa época, qualquer cena ou argumento que tratasse o personagem homessexual de forma mais direta e/ou aberta, acabava sofrendo algum tipo de censura: ou eram modificadas ou simplesmente cortadas do filme. Por exemplo, uma cena de Spartacus, de 1960, que mostra uma relação de erotismo entre 2 homens (o que era comum na Roma e Grécia Antigas - época na qual a história se passa) e um diálogo sugestivo foram cortados da versão final. Entretanto, o final sensacional de Quanto Mais Quente Melhor (Some Like It Hot), em 1959, não sofreu qualquer tipo de censura (não apenas o final, mas o filme todo, já que, querendo ou não, tocava no ponto das travestis e transexuais). O que nos leva a concluir que se o personagem homossexual e seu romance fossem “reais”, eram censurados. Mas se fossem usados com efeito cômico e estereotipado, aí tudo bem, está liberado.



Com as limitações temáticas e censuras impostas pelo Código Hays em Hollywood, começamos a ver a temática LGBT ser mais abordada e discutida em filmes europeus.


Em Meu Passado Me Condena (Victim), de 1961, um advogado - homossexual não assumido - decide processar um chantagista que ameaça expor a vida secreta de alguns homens ao mundo. É considerado o primeiro filme de língua inglesa a usar abertamente a palavra “homossexual”. Em 1966, Bergman dirige Quando Duas Mulheres Pecam (Persona). A própria tradução em português do título já insinua um relacionamento homoafetivo entre duas mulheres (e como algo negativo, um pecado, passível de punição), mas o diretor vai além, criando uma tensão entre as duas mulheres como se tratasse de algo além do romance, mas sim da identificação de uma com a outra (daí o título “persona”).



Já Pier Paolo Pasolini dirige em 1968 o filme Teorema, que traz o tema da bissexualidade - ou simplesmente da liberdade sexual - como forma de libertação. Após cada um dos membros de uma família, seja homem ou mulher, se envolver com um estranho visitante, fica impossível voltar à vida como ela era antes.


Na década de 1970 temos o “Cinema Transgressivo” e cult de John Waters e Pedro Almodóvar, mas vamos falar mais desses dois diretores e da sua importância para a comunidade LGBT nos próximos episódios. Merece menção também na década de 1970 o musical The Rocky Horror Picture Show, de 1975, que apresentava toda uma gama de personagens LGBT e que se tornou um cult underground, até hoje adorado por milhares.



Na década de 1980, a representatividade LGBT no Cinema sofreu mais um baque: a disseminação da AIDS, relacionada erroneamente principalmente à comunidade gay masculina. Com o boom das comédias românticas a partir de 1990, os homossexuais masculinos voltam às telas, mas como clichês, personagens que entendem tudo de moda e artes e que dão várias dicas para as protagonistas se darem bem. Exemplo: o personagem de Rupert Everett em O Casamento do Meu Melhor Amigo de 1997.


Por outro lado, em 1990 temos o documentário Paris is Burning, que começa a abrir portas para a cena LGBT pobre, negra e latina de NY, na década de 1980, inclusive do universo das Drag Queens, tantas vezes marginalizadas e representadas de forma negativa. Em 1991 Gus Van Sant nos apresenta Garotos de Programa (My Own Private Idaho), um road movie que acompanha a evolução do relacionamento entre dois jovens, interpretados por Keanu Reeves e River Phoenix. Em 1994 temos Priscilla, A Rainha do Deserto que, mesmo não isento de problemas, é uma tentativa de apresentar o mundo das drag queens - e das mulheres transgênero -, com seus horrores e sabores, ao grande público. O filme foi um sucesso de público e levou o Oscar de Melhor Figurino.



É a partir dos anos 2000 que começamos a ver realmente uma maior representatividade LGBT no Cinema, com personagens que começam a se libertar dos estereótipos (embora eles ainda continuem existindo) e são melhor construídos. Mas falaremos mais sobre as obras mais marcantes dos últimos anos, não apenas do Cinema, mas também da TV, nos próximos episódios.


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