Quando um novo filme de David Cronenberg é anunciado, esperamos algo, no mínimo, perturbador, seja calcado na ficção científica, no terror (principamente no body horror ou “terror corporal”) ou na violência, mas sempre partindo de um lugar comum: o corpo. O corpo que pode sofrer transformações físicas e grotescas, ou psicológicas (ou ambas!), a depender das intenções do cineasta, mas sempre chegando em extremos.
David Cronenberg, também conhecido como o Rei do Horror Venéreo ou o Barão do Sangue, nasceu em Toronto, Ontário, Canadá, em 1943. Seu pai, Milton Cronenberg, era jornalista e editor, e sua mãe, Esther (Sumberg), era pianista. Cronenberg chegou a seguir os passos dos pais, primeiro tocando violão clássico até os 12 anos de idade e depois escrevendo contos de mistério e se formando em Literatura na Universidade de Toronto.
O primeiro longa metragem escrito e dirigido por Cronenberg foi Stereo, de 1969. Nele, um grupo de jovens adultos se voluntaria para um experimento: uma cirurgia cerebral que remove sua capacidade de fala, mas aumenta seu poder de comunicação telepática (principalmente relações sexuais telepáticas). Neste filme já encontramos as bases que vão permear todo seu trabalho futuro: as transformações corporais e psicológicas, tecnologia e seus avanços e sexualidade. E, uma questão interessante e curiosa a se observar: a cada novo filme, Cronenberg apresenta elementos que serão utilizados em seus filmes futuros, como se o cineasta fosse abrindo portas e aperfeiçoando temas, personagens ou abordagens.
Na década de 1970, Cronenberg é alçado ao status cult, com seus primeiros filmes de terror: Calafrios (Shivers), de 1975, sobre um parasita criado por um cientista perturbado, que transforma as pessoas em uma espécie de zumbis, porém movidas pelo sexo e Enraivecida na Fúria do Sexo (Rabid), de 1977, sobre uma mulher que passa por uma cirurgia experimental e acaba se transformando numa espécie de vampira. Olha a recorrência dos temas ai.
O cineasta aumenta sua popularidade na década de 1980, com os filmes Scanners: Sua Mente Pode Destruir (Scanners), de 1981, Videodrome: A Síndrome do Vídeo (Videodorme), de 1983 e Na Hora da Zona Morta (The Dead Zone), também de 1983, adaptação do livro homônimo de Stephen Spielberg. Todos falam sobre manipulações de grandes corporações, impactos dos meios de comunicação na vida cotidiana e controle da mente, com diferentes enfoques.
Cronenberg retoma suas narrativas de horror corporal em 1986, com o clássico da Sessão da Tarde A Mosca (The Fly): um cientista, ao trabalhar em uma máquina de teletransporte e se usar como cobaia, acaba fundindo seu DNA com o de uma mosca, passando por uma horrenda transformação.
No final da década de 1980 e durante a década de 1990 e início de 2000, Cronenberg deixa um pouco de lado as transformações corporais e volta seu foco para as transformações psicológicas, desenvolvendo um Cinema mais dramático, reflexivo e maduro, consolidando suas visões e estilo, sendo aclamado pela crítica internacionalmente. São exemplos dessa fase os filmes Gêmeos - Mórbida Semelhança (Dead Ringers, 1988), Mistérios e Paixões (Naked Lunch, 1991), Crash: Estranhos Prazeres (Crash, 1996) e Spider - Desafie Sua Mente (Spider, 2002).
Em 2005, com Marcas da Violência (A History of Violence) e em 2007, com Senhores do Crime (Eastern Promises), ambos protagonizados por Viggo Mortensen, Cronenberg explora mais uma vez o psicológico humano, mas dessa vez baseado em violências extremas e traumáticas e as transformações que elas podem acarretar no indivíduo. Questões sobre identidade, pertencimento, territorialismo, mudanças e limites são profundamente discutidas nesses dois filmes, considerados por muitos como alguns dos seus melhores trabalhos como cineasta.
Nos seus próximos trabalhos, Um Método Perigoso (A Dangerous Method, 2011), Cosmópolis (Cosmopolis, 2012) e Mapas Para as Estrelas (Maps To The Stars, 2014), o cineasta continua se aprofundando nas questões psicológicas e críticas à sociedade, porém sem o viés da extrema violência, utilizado em seus dois trabalhos anteriores.
Por fim, Cronenberg volta ao seu horror corporal, misturado com tecnologias e sexo, no controverso Crimes do Futuro (Crimes Of The Future, de 2022). Seu próximo projeto, ainda sem data de lançamento, The Shrouds (ainda sem título em português, mas sua tradução literal seria “As Mortalhas”), aparentemente deve seguir a mesma linha do seu último trabalho, uma vez que está classificado como terror e suspense e tem a seguinte sinopse: “Karsh, um empresário inovador e viúvo em luto, constrói um dispositivo para se conectar com os mortos dentro de uma mortalha” (fonte IMDB). É aguardar para ver.
David Cronenberg também já se aventurou como ator, fazendo pequenas participações em seus próprios filmes (A Mosca e Gêmeos); em filmes de terceiros (Jason X, Ressureição: Retalhos de Um Crime, Um Sonho Sem Limites, dentre outros) e também em séries e minisséries na TV (Alias: Codinome Perigo, Alias Grace, dentre outras).
O cineasta também é engajado: está sempre participando de palestras e congressos acerca dos temas que aborda em seus filmes e é um ferrenho defensor que os países subsidiem a produção nacional de obras cinematográficas, para que possam fazer frente ao domínio do cinema norte-americano, principalmente os dos grandes estúdios de Hollywood e possam ter uma maior distribuição internacional (algo que o Canadá, país do cineasta e a Argentina, por exemplo, já adotam).
Seu filho, Brandon Cronenberg, também é cineasta e tem seguido os passos do pai com seus dois filmes que mesclam terror e ficção científica: Possessor (2022) e Infinity Pool (2023). Se você gosta do Cinema do pai, vale a pena conferir o trabalho do filho!
Onde assistir aos filmes de David Cronenberg:
Stereo (1969): Mubi
Crimes do Futuro (Crimes Of The Future, 1970): YouTube
Calafrios (Shivers, 1975): Apple TV+ (aluguel)
Enraivecida na Fúria do Sexo (Rabid, 1977): YouTube
Escuderia do Poder (Fast Company, 1979): YouTube
Os Filhos do Medo (The Brood, 1979): YouTube
Scanners: Sua Mente Pode Destruir (Scanners, 1981): YouTube
Videodrome: A Síndrome do Vídeo (Videodrome, 1983): Apple TV+ (aluguel)
Na Hora da Zona Morta (The Dead Zone, 1983): Flat HD
A Mosca (The Fly, 1986): Star+
Gêmeos - Mórbida Semelhança (Dead Ringers, 1988): YouTube
Mistérios e Paixões (Naked Lunch, 1991): YouTube
M. Butterfly (1993): YouTube
Crash: Estranhos Prazeres (Crash, 1996): GloboPlay
Existenz (1999): YouTube
Spider - Desafie Sua Mente (Spider, 2002): YouTube
Marcas da Violência (A History of Violence, 2005): HBO Max
Senhores do Crime (Eastern Promises, 2007): HBO Max
Um Método Perigoso (A Dangerous Method, 2011): Prime Video
Cosmópolis (Cosmopolis, 2012): Prime Video
Mapas Para as Estrelas (Maps To The Stars, 2014): Locke
Crimes do Futuro (Crimes Of The Future, 2022): Mubi
Onde assistir aos filmes de Brandon Cronenberg:
Possessor (2022): HBO Max
Infinity Pool (2023): ainda sem previsão de estreia no Brasil
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