E chegamos ao último episódio do nosso especial “Mulheres no Cinema”! Neste 5º episódio, compartilhamos alguns números bastante chocantes sobre as disparidades de gênero nos filmes, inclusive na representação de personagens LGBTQIA+, e tocamos brevemente nas representações de estereótipos raciais.
Sissy Spacek em "Três Mulheres" (3 Women, 1977), de Robert Altman
Vamos falar de números? Trouxemos alguns números chocantes sobre representação feminina x representação masculina no Cinema, que apenas reforçam tudo que temos falado nesses últimos quatro episódios especiais: ainda temos uma batalha árdua pela frente para que mulheres tenham condições mais igualitárias que homens no meio cinematográfico, seja na frente das câmeras ou não.
Anne Bancroft em "Agnes de Deus" (Agnes of God, 1985), de Norman Jewison
Dos 100 filmes que mais arrecadaram no ano de 2019, 66% dos personagens que tinham falas ou tinham nomes eram homens e apenas 34% eram mulheres, ou seja, uma proporção de 1,9 homens para cada mulher.
Apenas 28% dos personagens em filmes de ação eram femininas. Nos filmes de animação, o número sobe um pouquinho: 33%.
Apenas 14 dos 100 filmes apresentam um elenco de personagens com falas equilibradas entre os gêneros, cerca de 55% de falas para personagens masculinos e 45% para personagens femininos.
Melanie Lynskey e Kate Winslet em "Almas Gêmas" (Heavenly Creatures, 1994), de Peter Jackson
Mulheres tiveram apenas 38,8% dos papéis com falas na faixa etária de 21-39 anos. Acima de 40 anos, apenas 25,4%, reforçando o que também já falamos antes, que o Cinema tem “dificuldade” tanto em escalar mulheres “mais velhas” quanto para criar personagens femininas com mais idade.
Mulheres e meninas não-brancas representaram apenas 17% de papéis de protagonistas ou co-protagonistas. Além da questão da falta de representatividade feminina, aqui também temos a falta da representatividade racial.
Quase 80% dos personagens LGBTQ se identificavam como homens.
Todos esses dados e muitos outros podem ser encontrados no site https://womenandhollywood.com/resources/statistics/2019-statistics/
Emma Stone, Bryce Dallas Howard, Viola Davis e Octavia Spencer em "Histórias Cruzadas" (The Help, 2011),
de Tate Taylor
Em outro estudo (https://pudding.cool/2017/03/film-dialogue/) no qual foram analisados os roteiros de mais de 2000 filmes, também temos números impressionantes (no sentido ruim). Destes 2000 filmes:
307 tem 90% ou mais dos diálogos para personagens masculinos;
1206 tem 60-90% dos diálogos para personagens masculinos;
apenas 314 apresentam igualdade de falas para personagens masculinos e personagens femininos;
apenas 164 tem 60-90% dos diálogos para personagens femininas;
apenas 9 tem 90% ou mais dos diálogos para personagens femininas.
Isso mesmo, você não leu errado! Apenas NOVE filmes:
"Três Mulheres" (3 Women, 1977), dirigido por Robert Altman
"Agnes de Deus" (Agnes of God, 1985), dirigido por Norman Jewison
"Almas Gêmeas" (Heavenly Creatures, 1994), dirigido por Peter Jackson
"Histórias Cruzadas" (The Help, 2011), dirigido por Tate Taylor
"A Mão Que Balança o Berço" (The Hand That Rocks The Cradle, 1992), dirigido por Curtis Hanson
"Martírio" (Martyrs, 2015), dirigido por Kevin e Michael Goetz
"Preciosa: Uma História de Esperança" (Precious, 2009), dirigido por Lee Daniels
"Agora e Sempre" (Now and Then, 1995), dirigido por Lesli Linka Glatter
"Abismo do Medo" (The Descent, 2005), dirigido por Neil Marshall
E, observem que, destes nove filmes citados acima, apenas dois foram dirigidos por mulheres!
Elenco completo de "Abismo do Medo" (The Descent, 2005), de Neil Marshal
Nas animações, infelizmente, a falta de representatividade feminina também se repete. Jessica Heidt, supervisora de roteiro da Pixar, desenvolveu uma ferramenta que mede a porcentagem de falas num filme para personagens femininos e masculinos.
Tudo começou durante a produção de Carros 3, quando ela notou uma disparidade abissal entre a quantidade de diálogos para personagens masculinos e femininos: 90% e 10%. Ao relatar essa informação para os roteiristas e diretor do filme, ela conseguiu que essa porcentagem fosse revertida para 75% e 25% no filme pronto. Depois deste episódio, Jessica ajudou a desenvolver um software que mede essa porcentagem automaticamente. A partir daí, os roteiristas conseguem adaptar os roteiros para chegar a um nível mais igualitário. O primeiro filme a quase alcançar 50% de falas para personagens femininos e masculinos foi Soul, de 2020.
Soul, 2020
"Quando comecei, tinha que estar confortável, ou ao menos confortável no desconforto, de ser a única voz numa sala a falar e apontar essas disparidades. Eu tinha que navegar, ser notada como a polícia, ao invés de alguém que está tentando melhorar uma história", diz Jessica.
Na Disney as coisas não são muito diferentes: até 2016, apenas 6 filmes da Disney, entre live-action e animações, apresentavam maior porcentagem de diálogos para os personagens femininos: Caminhos da Floresta, Tarzan, Divertida Mente, Alice no País das Maravilhas, Malévola e A Bela Adormecida. Mulan, que tem como personagem principal uma mulher, tem quase 75% dos diálogos proferidos por personagens masculinos.
Mulan, 1998
Mas essa falta de representatividade feminina nos filmes tem chamado cada vez mais atenção e gerado discussões, que acabaram ganhando até “nomes próprios”.
Teste de Bechdel
Criado pela cartunista Alison Bechdel, em 1985, em uma tira chamada “A Regra”. Nela, uma personagem feminina, sem nome, diz que só assiste filmes que tiverem os seguintes requisitos:
deve ter pelo menos duas personagens femininas com nome
essas mulheres devem conversar uma com a outra
essa conversa deve ser sobre algo que não seja sobre algum homem
Segundo a cartunista, essa fala seria de uma amiga sua, Liz Wallace, mas que acredita que a amiga teve sua fala inspirada num ensaio de Virgínia Wolf chamado “Um Teto Todo Seu”.
“Todas essas relações entre mulheres, pensei, recordando rapidamente a esplêndida galeria de personagens femininas, são simples demais. Muita coisa foi deixada de fora, sem ser experimentada. E tentei recordar-me de algum caso, no curso de minha leitura, em que duas mulheres fossem representadas como amigas. [...] Vez por outra, são mães e filhas. Mas, quase sem exceção, elas são mostradas em suas relações com os homens. Era estranho pensar que todas as grandes mulheres da ficção, até a época de Jane Austen, eram não apenas vistas pelo outro sexo, como também vistas somente em relação ao outro sexo. E que parcela mínima da vida de uma mulher é isso!”
Parte do elenco feminino de "Mad Max: Estrada da Fúria" (Mad Max: Fury Road, 2015), de George Miller
Filmes que passam no teste: Frozen, Kill Bill volumes I e II, Jogos Vorazes, As Virgens Suicidas, O Exorcista, A Viagem de Chihiro, Os Últimos Jedi, Pânico, Mad Max: Estrada da Fúria
Filmes que bombam no teste: O Senhor dos Aneis, Vingadores, Gravidade, Jackie Brown, Antes do Amanhecer, Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, Bonequinha de Luxo, 500 Dias Com Ela, La La Land, Ratatouille, Whiplash, O Grande Hotel Budapeste
Teste de DuVernay
Similar ao Teste de Bechdel, porém avalia a representatividade de pessoas negras em filmes. Criado em 2016 pela crítica de Cinema Manohla Dargis, do The New York Times, em homenagem à cineasta Ava DuVernay (primeira mulher negra a vencer o prêmio de Melhor Direção no Festival de Sundance, por “Middle of Nowhere” em 2012; primeira diretora negra a ser indicada ao Globo de Ouro e a ter um filme indicado a Melhor Filme no Oscar, por “Selma” em 2014; primeira mulher negra a dirigir um filme com orçamento acima de US$100 milhões, “Uma Dobra no Tempo”, de 2016).
Para passar no teste, o filme precisa ter resposta positiva para três questões:
1 - o filme tem, pelo menos, dois personagens negros com nome?
2 - eles conversam entre si?
3 - falam sobre alguma coisa que não seja sobre pessoas brancas?
A diferença entre os dois testes é que o Teste de DuVernay não é exclusivo para mulheres, abrangendo personagens masculinos também.
Emayatzy Corinealdi em Middle of Nowhere (2012), de Ava DuVernay
Filmes que passam nos dois testes: “Filhas do Pó” (Daughters of the Dust, 1991), dirigido por Julie Dash; “Amores Divididos” (Eve's Bayou, 1997), dirigido por Kasi Lemmons; Middle of Nowhere (2012), dirigido por Ava DuVernay; Pária(Pariah, 2011), dirigido por Dee Rees e Garotas (Girlhood, 2014), dirigido por Céline Sciamma.
Síndrome de Trinity
Termo criado pela crítica de Cinema Tasha Robinson, fala sobre personagens femininas extremamente fortes e competentes, mas que ficam em segundo plano por conta dos personagens masculinos e, mais que isso, ajudam esses personagens masculinos a conquistarem o que precisam/querem. Batizado por causa da personagem Trinity, da saga Matrix.
Carrie-Anne Moss como Trinity
Alguns exemplos:
Valka, a mãe de Soluço em Como Treinar Seu Dragão 2
Wyldstyle de Uma Aventura Lego
Tauriel em O Hobbit: A Desolação de Smaug
Mako Mori em Círculo de Fogo
Manic Pixie Dream Girl
Termo criado pelo crítico Nathan Rabin em 2005, depois de ver o personagem de Kirsten Dunst em “Tudo Acontece em Elizabethtown”: “aquela criatura cinematográfica cintilante e superficial que só existe na imaginação febril dos escritores''. Basicamente, a mulher bonita, interessante, com gostos incríveis e por vezes até bizarros, que está ali apenas para “salvar” um personagem masculino problemático. Lembrei de quando falam com a gente que fulano precisa arrumar uma namorada/esposa para “endireitar”, “dar jeito na vida”.
Kirsten Dunst em "Tudo Acontece em Elizabethtown" (Elizabethtown, 2005), de Cameron Crowe
Exemplos:
Debora (Lily James) de Baby Driver
Tiffany (Jennifer Lawrence) em O Lado Bom da Vida
Sam (Natalie Portman) de Hora de Voltar
E assim chegamos ao final do nosso especial Mulheres no Cinema! Esperamos que tenham gostado! Se acharem que faltou alguma coisa, contem pra gente! É um assunto que ainda precisa ser bastante discutido!
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